Resgate de Fauna e a Situação Pantaneira
- GEAS UFMG
- 18 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Por Débora Mueller
O Pantanal é conhecido por ser o abrigo de uma das maiores biodiversidades do planeta: a planície brasileira é de 150.355 quilômetros quadrados com altitude média de 120 metros acima do nível do mar e é sujeita à alternância de períodos de secas e enchentes. O território é o berço de mais de 4.700 espécies de fauna e flora: aproximadamente 3.500 plantas, 325 peixes, 53 anfíbios, 98 répteis, 656 aves e 159 mamíferos. Decorrente desta grande importância é classificada pelo Ministério do Meio Ambiente como área de “Prioridade Extremamente Alta”. Entretanto, apenas 4,6% do território corresponde a áreas protegidas.
Tal região caracteriza-se, também, por conter extensas áreas de pecuária extensiva bovina. Dessa forma, a ação antrópica, de forma gradual, “contribuiu” para a descaracterização da natureza pantaneira: houve adaptação da agropecuária frente ao sistemas de inundações do bioma. Além disso, a técnica de queimadas para pasto é comum na localidade, sendo o “Fogo Frio” uma técnica cultural e dentro da legalidade. Porém, vale destacar que “queimada é prática agrícola rudimentar, que consiste na queima da vegetação natural, quase sempre matas, com o fim de preparar o terreno para semear ou plantar; essa prática prejudica a fertilidade do solo pela liberação dos sais minerais” (FEEMA, 1990) e que a “queima controlada ou prescrita é o método de manejo florestal no qual incêndios relativamente pequenos e controlados são ateados sob condições favoráveis para evitar a formação de grandes quantidades de matagal ou de madeira morta, prevenindo assim os incêndios mais destrutivos durante as estações de seca, que podem devastar a floresta (DICIONÁRIO DE ECOLOGIA E CIÊNCIAS AMBIENTAIS, 1998)”. Somado a isso, o ecossistema em si têm sido bastante alterado: atualmente passa pela maior seca dos últimos 47 anos, o Rio Paraguai possui um dos mais baixos índices históricos, altas temperaturas, baixa umidade relativa e matéria vegetal acumulada (que entra facilmente em combustão).
Tendo em vista esses fatores, em 2020, após o maior incêndio da história da região pantaneira devido a essas causas multifatoriais, houve perda de mais de 4 milhões de hectares, equivalente a mais de 30% do bioma. Segundo autoridades responsáveis, houve o levantamento de que mais de 90% dos incêndios foram de origem criminosa iniciados com fins agropecuários para limpeza de pastagens e, de acordo com investigações, com intenção de abertura de novas áreas de pastagens. Entretanto, deve-se destacar a postura política do poder público já que houve diminuição de 34% das autuações ambientais (menor nos 24 anos), corte de 50% do recursos do PREVFOGO em 2019 e em 2020 apenas 55% do valor utilizado, negação da gravidade das queimadas pelo Estado e, consequentemente, atraso de 2 meses para os órgãos federais chegarem ao Pantanal após o início dos incêndios (foram retirados em seguida por falta de verbas). Por fim, segundo dados oficiais de 18/10/2020, apenas 78 pessoas estavam envolvidas em ações ligadas ao incêndio.
As queimadas obtiveram mais de 30.000 focos: 98 mil dessa parcela ocorreu na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN Sesc Pantanal), localizada no município de Barão de Melgaço, em Mato Grosso. Essa reserva, considerada a maior do país com 108 mil hectares, atualmente é uma importante área de pesquisa para avaliação dos impactos dos incêndios do Pantanal. Os estudos já iniciaram e terão duração de 12 meses a fim de direcionar um plano de ação eficaz para a execução do manejo adaptativo e regenerativo da região.
Esse estudo, executado pelo Grupo de Estudos de Vida Silvestre (GEVS), composta por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fiocruz, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Museu Nacional do Rio de Janeiro, faz o levantamento de animais encontrados, vivos ou mortos, na RPPN através do Sistema de Informação em Saúde Silvestre – SISS Geo. Este aplicativo permite tirar fotos e abrange informações sobre os animais com suas respectivas localizações e características do ambiente, além dessas informações poderem ser registradas de forma “online” ou “off-line”. Dessa forma, será permitido comparar a abundância e ocorrência das espécies e obter resultados mais próximos sobre os impactos dos incêndios gerados sobre as populações de animais.
Ademais, o voluntariado tem sido imprescindível para o resgate de fauna do Pantanal, sendo muitos medicamentos, equipamentos, estadia e alimentação disponibilizados via doações. As equipes de pesquisadores registram as áreas afetadas com a utilização de drones e captam imagens de animais vivos por meio de armadilhas fotográficas. Em ação emergencial, o Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD) formado por voluntários cujo objetivo é o de preservar a vida da fauna em desastres naturais, atuou em conjunto com o 6º Distrito Naval, unidade da Marinha sediada em Ladário (MS), já que a fauna foi prejudicada, consequentemente, com recursos alimentares e hídricos também. Tal ocorrido denomina-se “Fome Cinzenta” e, com isso, foram distribuídos diversos pontos de alimentação para os animais com auxílio de aeronave: dessa maneira há maior facilidade de distribuição de alimentos e permite a continuidade da diversidade genética dos animais. Mais de 5 toneladas de frutas e verduras foram distribuídas em parceria com a Ampara Silvestre, SOS Pantanal, ONG Mata Ciliar, entre outras. Os órgãos governamentais envolvidos consistem: SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente), PREVFOGO, Ibama, ICMBio, Força Nacional e Forças Armadas.
Os trabalhos de resgate de fauna realizados basearam-se tanto na linha de frente com os incêndios quanto em locais de difícil acesso, com atendimentos emergenciais e suporte clínico até a remoção do animal no local ou soltura do mesmo. Uma das estratégias foi acompanhar os rios, já que os animais que sobreviveram migrariam próximo para essas localidades. Grande parte dos animais resgatados foram encaminhados para a SEMA. Entretanto, no cenário atual, é difícil saber o que ocorrerá com a fauna e flora pantaneira, além das possíveis consequências de mudanças climáticas decorrentes do desastre. Os impactos causados são de números astronômicos, com necessidade de mensuração, e populações de diferentes espécies foram dizimadas (principalmente animais com baixa mobilidade).
Com isso, conclui-se que o compartilhamento de informações, o apoio financeiro às instituições que estão atuando no Pantanal, o acompanhamento e cobrança do poder público frente a fiscalização das áreas a fim de conservar o ecossistema são consideradas ações essenciais da população para contribuir em prol da conservação pantaneira. O voluntariado é essencial, mas necessita de incentivo financeiro e profissionalizado por parte do Estado, com atuação de uma brigada permanente. Por fim, as ações após os incêndios são de extrema importância para a mensuração de dados para melhor compreensão dessas situações e mitigações frente a elas, o monitoramento dos animais e das áreas principalmente devido as dificuldades consequentes da “Fome Cinzenta”.
Referências Bibliográficas
CSERMAK, A. C. 1º Congresso Internacional de Residência em Medicina Veterinária da UFMG: Saúde Pública, Saúde Humana e Silvestre. Resgate de fauna: Pantanal em foco, 25 Outubro 2020.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Anais do 1º Simpósio sobre Recursos Naturais e Socio-econômicos do Pantanal, Brasília, 1986.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Queima controlada no Pantanal. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Comrumbá, Dezembro 2002.
LIMA, B. Resgate de animais no Pantanal é reforçado. Correio Braziliense, 2020. Disponivel em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/09/4878941-resgate-de-animais-no-pantanal-e-reforcado.html>. Acesso em: 23 Outubro 2020.
MATO GROSSO MAIS JORNALISMO SÉRIO. Sesc Pantanal inicia pesquisa para avaliar impactos dos incêndios na fauna. Site Mato Grosso Mais Jornalismo Sério, 2020. Disponivel em: <https://matogrossomais.com.br/2020/10/23/sesc-pantanal-inicia-pesquisa-para-avaliar-impactos-dos-incendios-na-fauna/>. Acesso em: 23 Outubro 2020.
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