A diminuição populacional do cervo-do-pantanal como indicativo da qualidade do habitat
- GEAS UFMG
- 29 de mar. de 2021
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O cervo-do-pantanal, Blastocerus dichotomus, é considerada a maior espécie de cervídeo da América Latina, podendo pesar até 130 kg. Porém, segundo o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), a população estimada no Brasil é de 25.000 indivíduos maduros, ainda que não haja muitas informações atuais sobre a população, tendo em vista os últimos incêndios ocorridos na região pantaneira. A área de ocorrência original deste animal no país abrangia as cinco regiões geográficas, nos estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás (Centro-Oeste), sudeste de Rondônia e sul do Pará e Tocantins (Norte), sul do Piauí e Maranhão, oeste da Bahia e na região do rio São Francisco (Nordeste), oeste de Minas Gerais e São Paulo (Sudeste), e extremo oeste do Paraná e sul e sudoeste do Rio Grande do Sul (Sul). Entretanto, atualmente sua distribuição encontra-se bastante reduzida e fragmentada, sendo observado principalmente no Pantanal brasileiro (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), na região da Ilha do Bananal, rio Araguaia (Mato Grosso e Tocantins), no rio Guaporé (Rondônia) e nas várzeas remanescentes do rio Paraná, constituindo-se de populações residuais com possibilidades de extinções locais em curto espaço de tempo.
A dieta de B. dichotomus é constituída basicamente de brotos de várias espécies arbustivas e macrófitas de folha larga, sendo identificadas 41 espécies vegetais. A maioria delas são compostas por espécies aquáticas e/ou semiaquáticas, ou seja, que apresentam tolerância à inundações ou ao solo encharcado. Por possuir tal estratégia de forrageio, o animal é caracterizado como “pastador-podador”. As fêmeas de cervos-do-pantanal são poliéstricas (com ciclo estral variando de 21 a 24 dias) e apresentam cio pós parto, não apresentando sazonalidade reprodutiva e com gestação de um único indivíduo e com duração entre 251 a 271 dias. Entretanto, com a carência de estudos da espécie acerca do seu comportamento reprodutivo, sugere-se que o cervo-do-pantanal forma grupos menores e que os machos geralmente não competem entre si, sendo caracterizados, portanto, como indivíduos solitários e pequenos grupos familiares.
Apesar de ocupar áreas com acesso restrito e pouco agricultáveis (ambientes de várzea), B. dichotomus vem desaparecendo com rapidez de sua área de distribuição original. Baseado em observações diretas, houve um declínio populacional maior que 30% nos últimos 27 anos. Tal fato ocorreu, principalmente, decorrente das construções de hidrelétricas na Bacia do Rio Paraná. As obras levaram à extinção de várias bacias, das drenagens das várzeas para uso agropecuário e introdução de patógenos na população do Pantanal, que representa 88% da população total da espécie. Dessa forma, de acordo com os critérios de avaliação da IUCN com dados disponíveis até 2010, o estado de conservação do cervo-do-pantanal foi categorizado como “Vulnerável (VU)” sendo então considerado como ameaçado. Por não existirem evidências de emigração ou imigração diferencial destes indivíduos entre o Brasil e os países vizinhos, a categoria da espécie não é alterada quando se aplica a avaliação regional: é considerado como “Criticamente em perigo” (CR) nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Ainda, em Santa Catarina, a espécie foi extinta.
Além disso, o avanço das fronteiras agrícolas e urbanas, doenças introduzidas por bovinos domésticos (como a febre aftosa, brucelose, babesiose, ecto e endoparasitos diversos) e a caça predatória são fatores que acentuaram a retração do habitat da espécie Todavia, considera-se que a construção de grandes usinas hidrelétricas seja a principal causa da diminuição das populações dos cervos-do-pantanal. As barragens eliminam qualquer possibilidade de sobrevivência de populações a longo prazo, já que destroem os ambientes de várzea. Ademais, as drenagens clandestinas das várzeas, para as atividades agropecuárias, secam e descaracterizam o ambiente natural substituindo por gramíneas exóticas. Como consequência, há a aproximação de espécies domésticas implicando em prejuízos à sanidade animal.
Segundo estudos realizados na área de influência da Usina Hidrelétrica Sergio Motta (São Paulo), identificou-se com maior frequência nas populações de cervos exemplares de anticorpos da aftosa, orboviroses (como a língua azul e a doença epizoótica hemorrágica), babesiose, leptospirose e neosporose. Dessa forma, é importante destacar que as orboviroses, com larga distribuição nas regiões sudeste, sul e centro-oeste, possuem grande influência na mortalidade relevante em populações em cativeiro de cervídeos: pode chegar a 90% de mortalidade! Tal cenário é amplificado pelas condições ambientais naturais e favoráveis do pantanal. Além disso, a frequência desses animais infectados por carrapatos é de 100%, fator que pode ser diretamente relacionado com a qualidade do ambiente, principalmente em relação ao menor ou maior o contato com os bovinos domésticos.
Contudo, a fuga dos cervos-do-pantanal durantes enchentes e incêndios para áreas antropizadas, como fazendas, vilas, cidades e entre outros, também são comuns de ocorrerem. Com isso, as consequências podem ser: morte de cervos por miopatia de captura (em situações de resgates), atropelamentos em estradas secundárias ou rodovias, ataques de cães ferais ou domésticos e picadas de abelhas exóticas (Apis melifera) quando formam enxames em áreas onde há intensa produção melífera, como são as várzeas do rio Paraná entre o Paraná e o Mato.
Por fim, não há ações de conservação exclusivamente voltadas para B. dichotomus in situ. Entretanto, a Onçafari atua indiretamente na conservação da espécie, por meio do ecoturismo, da ciência, educação, reintrodução e trabalho social. Desse projeto, destacam-se as ações de desenvolvimento socioeconômico das regiões de atuação, transformação e valorização da cultura pantaneira, o trabalho para o aumento do conhecimento científico sobre onças-pintadas – e, consequentemente, outras espécies relacionadas -, a busca pela consolidação do ecoturismo como ferramenta para conservação, o incremento do número de visitantes no Pantanal e Cerrado e a reintrodução de onças-pintadas na natureza.
Por: Débora Mueller

Referências Bibliográficos
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Avaliação do Risco de Extinção do Cervo-do-pantanal Blastocerus dichotomus Illiger, 1815, no Brasil. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2012. Disponivel em: <https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/biodiversidade/fauna-brasileira/avaliacao-do-risco/ungulados/Blastocerus_dichotomus_cervo_do_pantanal.pdf>. Acesso em: 21 Março 2021.
ONÇAFARI. O Onçafari Objetivos e Resultados. Site do Onçafari. Disponivel em: <https://oncafari.org/o-oncafari/objetivos-e-resultados/>. Acesso em: 21 Março 2021.
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