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Como o preconceito com os morcegos-vampiros pode trazer prejuízos para todos?

Você sabia que de 1150 espécies de morcegos conhecidas no planeta apenas três delas se alimentam de sangue? Os fascinantes e mal compreendidos morcegos-vampiros, como são denominados, estão restritos apenas à América Latina e nenhum fóssil de espécies desse tipo foi encontrado em outro continente. Das conhecidas, são: o morcego-vampiro-comum (Desmodus rotundus), o morcego-vampiro-de-asas-brancas (Diaemus youngi) e o morcego-vampiro-de-pernas-peludas (Diphylla ecaudata). Os dois primeiros citados ocorrem desde o sul do México até o norte da Argentina, em regiões mais quentes, e o D. ecaudata encontra-se do sul do Texas, nos Estados Unidos, até o sudeste do Brasil.

Em função do hábito alimentar mais amplo, Desmodus rotundus é o mais comum dos morcegos-vampiros e, consequentemente, suas características são mais conhecidas e estudadas: possui cerca de 35 cm de envergadura (distância entre as pontas das asas abertas) e pesa de 25 a 40 gramas, sendo considerado como médio porte comparado às outras 150 espécies de morcegos que ocorrem no Brasil. De forma geral, os morcegos-vampiros habitam cavernas, poços antigos, minas, ocos de árvores, buracos e mais raramente habitações humanas, vivendo sempre em grupos que podem variar de 20 a 100 indivíduos (existem casos de colônias de até cinco mil destes animais!).

Por possuírem uma dieta exclusivamente à base de sangue, os morcego-vampiros desenvolveram algumas adaptações, já que não conseguem sobreviver mais de três dias sem se alimentar. Seus dentes incisivos são maiores que os de morcegos frugívoros, possuem formato de estilete, são mais afiados e projetados para frente permitindo que o animal retire pequenos pedaços de pele e tecido das presas para obter seu alimento – o corte tem de 3 a 5 mm de diâmetro e de 1 a 5 mm de profundidade, sendo, portanto, incapaz de romper vasos sanguíneos de maior calibre. Para que seja possível alimentar-se, a saliva desse animal contém três proteínas que retardam o processo de coagulação ao impedirem a formação do coágulo, evitarem que as células sanguíneas se agrupem e atrasarem a constrição dos vasos do local lesionado. Atualmente, derivados dessas proteínas são testados em tratamentos de desobstrução de vasos e na prevenção de infartos e derrames. Além de sua dentição adaptada, o estômago do morcego-vampiro é alongado, e, consequentemente, com maior superfície de contato, levando a uma absorção rápida do plasma ingerido e prosseguindo para os rins e bexiga urinária. Esse trajeto não demora mais que dois minutos, pois logo após ingerir o sangue, o animal urina para evitar uma sobrecarga do sistema urinário.

Diante destas informações, é importante esclarecer dois mitos sobre esses animais. Primeiramente, os morcegos-vampiros não sugam sangue, eles lambem as feridas de suas presas, podendo chegar a dar 400 lambidas por minuto. Além disso, as principais presas desse indivíduos são mamíferos e aves, cujo o sangue constitui entre 6% e 10% do peso corporal, consumindo, aproximadamente, 20 gramas de sangue por noite, o equivalente a duas colheres de sopa. Assim, a espoliação não é significativa para um animal de grande porte. Dessa maneira, por exemplo, para um equino de 180 kg ir à óbito por escassez de sangue teria que ser vítima de um ataque simultâneo de 900 morcegos.

Os mamíferos são caracterizados por possuírem cinco sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato), mas os morcegos, no geral, possuem um 6º sentido que consiste na ecolocalização para orientação espacial – se orientam por pulsos de ultrassom. Já os morcegos-vampiros, além de uma visão para orientação a longa distância, possuem um sensor de calor, decorrente de pequenas fossetas termicamente isoladas localizadas ao redor do focinho. Elas ajudam a detectar pontos mais quentes, como os locais onde os vasos sanguíneos estão mais próximos da superfície da pele e, assim, auxiliam na escolha do local da mordida. Ademais, a audição dos vampiros é sensível para frequências mais baixas (respiração de mamíferos) com o objetivo de encontrar melhor suas possíveis presas. Por fim, D. rotundus possui um polegar mais alongado e ossos do braço bem desenvolvidos e robustos para que seja possível adquirir uma posição quadrúpede.

Contudo, esses animais frequentemente são associados à transmissão do vírus da raiva por serem vetores da doença. É importante destacar que a raiva é transmitida por diversos mamíferos, sendo o cão o principal vetor no Brasil. Entretanto, decorrente de tal doença ser letal para humanos e possuir alta taxa de transmissão em rebanhos bovinos através dos morcegos-vampiros. Isso causa grandes prejuízos financeiros, o que dificulta ações em prol da conservação destes indivíduos. Existem campanhas de vacinação antirrábica para animais domésticos, mas não é comum a vacinação de morcegos e outros animais silvestres, que também contraem a doença e vão ao óbito por consequência da mesma. O vírus é transmitido entre o período de contágio e o surgimento dos sintomas da raiva e entra em contato direto com o sangue das presas, já que os morcegos lambem suas feridas. Porém, estudos indicam que apenas 3% de uma população livre de morcegos são contaminados.

Tendo em vista esse cenário, é imprescindível destacar a importância de doenças e vetores como agentes de seleção natural. O vírus da raiva seleciona populações de animais silvestres, mas, com a criação de gado intensificada no país, a frequência de transmissão da doença aumentou significativamente com a substituição das florestas por pastagens, principalmente em áreas de expansão agrícola, extração de recursos naturais ou de expansão das cidades. Há interferência nos ciclos naturais e no desaparecimento de presas naturais, justificando o porquê dos animais domésticos serem os mais acometidos. Dessa maneira, é de suma importância que a população entenda os diferentes tipos de morcegos e os benefícios que esses animais trazem para a sociedade polinizando plantas, dispersando sementes, controlando populações de insetos e entre outros. O episódio “Bicho #053: morcego-vampiro (Desmodus rotundus)” do Podcast Desabraçando Árvores com o Prof. Dr. Enrico Bernard, é uma interessante abordagem e fonte de informações a respeito desses animais para ser consultada.


Autora: Débora Mueller



Referência Bibliográfica


BERNARD, E. Morcegos vampiros: sangue, raiva e preconceito. Research Gate, Abril 2005.

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