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Mutum-de-alagoas: a ave mais rara e enigmática

Por: Débora Mueller

O mutum-de-alagoas (Pauxi mitu) pode ser considerado uma das primeiras aves endêmicas do Brasil descrita durante o período da invasão holandesa (1637-1644). Entretanto, esse animal permaneceu por mais de 300 anos como uma das aves mais raras e enigmáticas do mundo, passando despercebido pelos ornitólogos e quase desapareceu, possuindo um taxonomia de validade incerta. Muitos autores alegavam que essa espécie não possuía validez ou que não existia originalmente no Nordeste brasileiro, por ser confundida com um mutum amazônico comum, o mutum-cavalo (Pauxi tuberosa). Dessa forma, os estudos tinham como base exemplares de P. tuberosa depositados em museus, já que não se conhecia espécimes de P. mitu em coleções científicas. Apenas em 1951 que foi reaberto o diálogo sobre a identidade do mutum-de-alagoas em relação ao mutum-cavalo, quando uma fêmea foi coletada em Alagoas. Como resultado, foi comprovada a existência da espécie nas florestas alagoanas e, assim, reconhecido como um táxon independente. Apenas no final do século XX, porém, foi confirmado como espécie plena e distinta de P. tuberosa, com base em diferentes linhas de evidência.

A ave de grande porte P. mitu possui aproximadamente 90 cm de comprimento total e não apresenta dimorfismo sexual de plumagem, que é uniformemente negra com reflexos azulados. As penas da região ventral e do crisso são de coloração marrom e a espécie apresenta um topete pouco notável na cabeça. As características de diferenciação do mutum-cavalo consistem em possuir o par central das penas da cauda totalmente negro, região auricular desprovida de penas e bico bicolor, sendo vermelho na base e róseo-esbranquiçado em direção à ponta. Estudos mais detalhados sobre sua morfologia são quase inexistentes, decorrente da ausência de exemplares depositados em museus e da crença generalizada que a espécie fosse uma subespécie fracamente definida. Tal fator teve como consequência direta ausência de estudos e desconsideração em programas de conservação.

Dessa forma, pouco se sabe sobre o comportamento do mutum-de-alagoas na natureza, sendo descrito um único ninho encontrado desta espécie. De maneira geral, assemelha-se com o mutum-cavalo, sendo uma espécie terrícola que se estabelece nas árvores durante a noite, para construir o seu ninho ou em caso de fuga. Sob ameaça, emite assovio fino e curto, abre a cauda frequentemente em leque, demonstrando irritação, e também pode eriçar o topete. Além disso, como os demais cracídeos de grande porte, P. mitu é principalmente frugívoro, consumindo folhas e brotos em menor quantidade. Pode-se dizer que são caracterizados como mais predadores que dispersores de sementes, por destruírem a parte reprodutiva dos frutos (são mais eficientes em dispersar quando ingerem coquinhos ou frutos de sementes duras, que são eliminadas nas fezes) e, por consequência, provavelmente ingerem pequenos vertebrados ou invertebrados.

Os mutuns do gênero Pauxi são essencialmente florestais, habitando matas primárias e podem utilizar alguns remanescentes de mata secundária em avançado estado de regeneração. O mutum-de-alagoas é endêmico do “Centro Pernambuco”, de distribuição apenas nas matas atlânticas de baixada nos estados de Alagoas e Pernambuco. Nessa região encontram-se dois tipos principais de vegetação: Floresta Ombrófila Aberta e a Floresta Estacional Semidecidual. A primeira é uma floresta permanentemente úmida com apenas dois meses secos por ano, enquanto que na segunda a estação chuvosa e seca são mais bem demarcadas com perda de folhas em cerca de 20% de espécies arbóreas. Nessa localidade, a caça de animais silvestres e os desmatamentos para dar lugar à plantações de cana-de-açúcar iniciaram-se muito cedo. Com o programa Proálcool, a partir da década de 1970, um novo ciclo de desmatamento mais violento e rápido ocorreu eliminando enormes porções de e não despertando a menor atenção dos órgãos do governo responsáveis pela proteção dos recursos naturais. Com isso, restam menos de 2% de cobertura vegetal nativa em Alagoas e Pernambuco, em que o mutum-se-alagoas, vivendo em baixas densidades, era a maior ave terrestre da Mata Atlântica nordestina, que provavelmente ocupava grandes territórios de floresta virgem. Como alternativa, três exemplares da espécie foram capturados e iniciaram um programa de reprodução em cativeiro.

O histórico de P. mitu é resultado da ausência de compromisso dos órgãos ambientais com os últimos remanescentes de florestas de Alagoas e Pernambuco. Por esse motivo, ambos estados abrangem o maior número de espécies ameaçadas de extinção do Brasil e, talvez, no mundo todo, fazendo com que se tenha estudos do fenômeno de extinção em massa. Nesse contexto, as alternativas para trazer o mutum-de-alagoas de volta às suas florestas demandam grandes esforços de pesquisadores, ONGs, órgãos ambientais, usineiros e da sociedade civil em geral. A recuperação das florestas, sua proteção contra caçadores e madeireiros e a recuperação dos ambientes são os primeiros passos a serem dados in situ, enquanto a criação e reprodução destas aves em cativeiro é fundamental para garantir indivíduos viáveis para a reintrodução.

Tendo em vista esse cenário, o Plano de Ação Nacional para a Conservação do Mutum-de-alagoas foi elaborado em 2007 e publicado em 2008 pelo ICMBio com o objetivo de "assegurar permanentemente a manutenção das populações em cativeiro de Pauxi mitu, promover o aumento tanto do efetivo populacional quanto o número de populações e propiciar a reintrodução da espécie nos remanescentes florestais dentro de sua provável área de distribuição original". Porém, o PAN Mutum-de-alagoas se encerrou em dezembro de 2013 com 56% de suas ações implementadas. Com o encerramento deste PAN, a espécie P. mitu foi recepcionada no Plano de Ação Nacional para Conservação de Aves da Mata Atlântica.


Referências Bibliográficas

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas (Mitu mitu = Pauxi mitu). Ministério do Meio Ambiente. Brasília, p. 48. 2007.

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Plano de Açao Nacional para a Conservação do Mutum de Alagoas. Site do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. ISSN https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/plano-de-acao-nacional-lista/2736-plano-de-acao-nacional-para-a-conservacao-do-mutum-de-alagoas. Acesso em: 9 Agosto 2021.


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